quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Trabalho de Conforto e Desconforto.

Fúnebres memórias d’um projetista.

Da encosta do Lenheiro surge um cantinho. Um cantinho não muito tranqüilo como remontam os séc. XVII e XVIII. E por falar em velhos tempos, por onde anda “Baronesa”? Ah, memória falha. Se não me engano ela se instalou no Largo do Carmo. Sim, foi ali mesmo! Mandou construir um casarão muito bonito. Ordenou que colocasse várias portas e janelas em sua fachada externa.
Era uma mulher de personalidade forte. Queria que seu lar fosse visto de todos os cantos da cidade. Mal sabia ela que havia escolhido um ponto nada privilegiado. Os anos se passaram, e a velha Rua da Cachaça, nos anos de mil novecentos e alguma coisa ganhou fama. Era conhecida por seus becos e prostíbulos, por onde perambulavam belas “raparigas” em busca do “pão de cada dia”. Perdoe o sentido duplo da oração, mas cachê não satisfazia os maus tratos dos clientes.
Voltando àquela velha época, recordo-me como se tivesse sido ontem. Um raio atingiu a torre esquerda da Igreja. “Puseram” outra no lugar. E a Baronesa? Hum, permaneceu intacta onde hoje se encontra. Hoje...! É alguma coisa estudantil. Ah! Recordo-me, faz parte da Universidade.
Os tempos já não são os mesmos. O que eram prédios de holandeses, hoje é instituto federal de ensino. Os cursos são muito variados, de engenharias à filosofia. Por fim entrou algo que realmente agradou. São esses meninos da Arquitetura. Ah, eles “tem” uma vitalidade sem igual! Correm, brincam, riem de tudo! São figuras únicas. Hoje mesmo vi alguns desenhando e fotografando. Diz uma bela moça, Ana Beatriz se não me engano, que estão fazendo um trabalho sobre conforto.
É! Decidi fazer o mesmo. Se já sou formado? Sim, há séculos. É que me agrada muito esse curso. Lá onde moro não há reformas há muito tempo. Só renovam as flores e nada mais.
Então, juntei alguns itens. Ah, o mestre pediu que escolhessem o local de mais agrado. Escolhi a região do Carmo, pois é onde residem meus pertences. Bom, dando início ao estudo é sempre bom deixar a “sobremesa” por último.
Me espanta o desleixo dos prefeitos para com São João. Quando vago sozinho por estas ruas serenas observo o quão precária é a iluminação. Sim, à noite é difícil transitar por estas vias. O calçamento não coopera. Já não sinto meus pés de tanto tropeçar nessas pedras. E se não houvesse garis? Moraríamos num lixão. É isso mesmo, faltam lixeiras. E essas casas da “modernidade” em conflito com os velhos sobrados? O problema é que quase todas estão mal conservadas. Os moradores já não dizem nada. Poucos abrem a boca com medo de que roubem seus dentes. Sim, porque há poucos dias roubaram uma garrafa térmica numa dessas casas. É, a segurança deixa a desejar. Bueiros? Ah! Não sabem o que é isso. E aquele lote desocupado? A prefeitura teve de intervir por conta dos carrapatos. Bela porcaria.
Sobre o conflito das casas? Já me acostumei com esse negócio de favela. E quando olhamos para o alto, o que vemos? Lixo em forma de torres de metal. Onde se encontra a estátua do Cristo? Já não sabemos se é ilusão de ótica ou falta de consciência. Consciência? Por onde anda? O que é aquele bloco de concreto com janelas logo em nossa frente? E quanto à fumaça emitida pelos automóveis? E que tráfego... Será possível que nem o chão que o povo pisa presta para as solas dos sapatos?
O que me acalma é o clima ameno... E de longe é tão bonito ver a Serra cravejada de moradias, como os diamantes da coroa de Dom João. Há pouco falei das favelas. Sim, logo ao lado tem um amontoado de casinhas pequenas; todas brancas. Alguma familiaridade com a Grécia? E por falar em Grécia, como é bom admirar os nossos templos. Viva a Nossa Senhora do Monte Carmelo. Hoje ela descansa em paz... Noutros tempos tranqüilidade era sinônimo de funeral. A medicina evoluiu, e hoje se tem um posto de saúde logo aqui ao lado. Isso merece um brinde! Um brinde a saúde, que hoje nos fornecera água potável e saneamento básico. E quanta vitalidade há nesse lugar! Todas as manhãs é possível ver crianças correndo por essas praças. Antigamente não haviam praças, muito menos “vida” brincando de roda ou pega-pega. E quanto aos forasteiros? Hoje eles vêm aos montes. Apelidaram-nos de turistas, não é? Esses turistas sustentam boa parte da nossa economia. Também se não fossem as comodidades. Comodidades? Perdão quis dizer hotéis. Tem um muito próximo daqui. Está na rua do comércio. E como progrediu o comércio! Hoje com “dois passos” você está na loja mais próxima. Até parece que são só lojas... E o que falar dos restaurantes? E as padarias?
E a Baronesa? Ah sim, já ia me esquecendo... Memória seletiva sabe como é né...! Seu recinto é dos mais aclamados. Recebe quase que sempre uma exposição ou coisa parecida. Também era de esperar; um salão vasto de espaço, decorado com belos arcos de pedra e uma vista esplêndida! O chão não me agrada. Hora se está pedra, e não se sabe quando virá a tabua corrida. Já a iluminação é ímpar. O teto comporta de forma harmônica aquelas lâmpadas compridas; qual é mesmo o nome? Ah, não importa. Importa é que há luz! Luz, já ia me esquecendo do sol. Este se tornou respeitoso por aqui! Todas as manhãs ele vem visitá-la, a Baronesa. Em quem disse que as portas e janelas não tinham certo motivo? Motivos de mais, já temos. Muitos motivos, muitas razões e poucos assentos! E se as pernas doerem? Sentem-se no chão.
O fato é; temos prós e contras. Vejo que está na minha hora. Acho que falei de mais e esqueci-me do tempo que passou. O tempo que passou... Passe depois em minha casa para que possamos prosear mais um bocado. Resido ao lado da Igreja do Carmo. Não gosto muito da fachada de minha casa, mas fui lá enterrado antes que pudesse planejar algo. Divido quarto com mais algumas boas almas. Ah, o endereço! Anota aí; Rua Santa Teresa, Cemitério do Carmo.
Tenho de parar com essa mania, este plano não me pertence e nem todos podem me ouvir. Fui louco, poeta e arquiteto. Hoje sou apenas um espectro a conversar comigo mesmo...

sexta-feira, 14 de agosto de 2009



Ao que parece são cupins ou formigueiros. Mas a imagem acima retoma a Coober Pedy, cidade subterrânea encontrada no deserto de Outback na Austrália. É uma tática encontrada pelos moradores locais para fugir das altas temperaturas e a baixa umidade relativa do ar.
"Arquitetura sustentável não deve ser apenas um estilo ou uma etiqueta.” - Markku Komonen